No
meio de 2015, ouvi a seguinte história:
Brigas,
discussões e gritaria em uma unidade de um condomínio de luxo.
Várias
multas aplicadas e nada de se resolver o problema.
Tratava-se
do desrespeito ao “sossego”.
Até
que um dos vizinhos gravou o áudio de uma das brigas e mostrou ao
síndico.
O
síndico refletiu sobre todo o histórico e, em um dia normal, na
garagem, encontrou o proprietário da unidade que estava causando
todo o desassossego no prédio.
Foi
então que o cumprimentou e disse:
“-
Sindico: Senhor Cláudio, quando estiver mais tranquilo vamos
conversar?
-
Proprietário: Podemos sim, mas é sobre o que senhor Orlando?
-
Síndico: Sobre uma solução para o senhor não receber mais multas!
-
Proprietário: Podemos falar sobre isso outra hora porque estou
atrasado.
-
Síndico: Ok, nos falamos.”
Duas
semanas depois... Num domingo, quando ambos se encontraram na área
de laser do condomínio, com seus respectivos cachorros...
Cumprimentam-se e o proprietário disse ao síndico:
“-
Proprietário: Então senhor Orlando, o que queria falar comigo?
-
Síndico: Olha só senhor Cláudio, eu já lhe apliquei várias
multas por barulho e perturbação do sossego de outros moradores não
é mesmo?
-
Proprietário: Sim, é verdade... Mas e daí?
-
Síndico: Daí que eu desejo parar com isso! Desejo parar de lhe
aplicar multas! Desejo não ter mais reclamações! Desejo ter o meu
sossego!
-
Proprietário: Certo, acho justo. Mas sou proprietário aqui e não
vou mudar meus hábitos dentro do meu apartamento!
-
Síndico: Sabe senhor Cláudio, certa vez, quando ainda era uma
criança, eu e meus pais morávamos em um apartamento e toda a noite
meus pais discutiam, e gritavam, e falavam palavras ofensivas uma
para o outro... E eu era uma criança e ficava chorando no meu quarto
com medo dos meus pais se separarem e eu ficar sozinho, sem
ninguém...
-
Meu pai, em uma dessas discussões, acabou sofrendo um infarto e
faleceu... Até hoje eu penso nesse dia... Penso que poderia ter ido
lá e dito para eles pararem de brigar... É um trauma que carrego
até hoje, desde a minha infância...
-
Proprietário: Poxa vida senhor Orlando... Eu não fazia ideia...
Meus sentimentos pela sua perda!
-
Síndico: Sabe senhor Cláudio, minha preocupação é com as suas
duas filhas!!! O senhor já viu elas no parquinho?
-
Proprietário: Já sim... Mas o que tem?
-
Síndico: É que elas estão sempre sozinhas... Não brincam com
nenhuma outra criança e estão sempre quietinhas... pensando e
pensando... Ficam no parquinho e não brincam!
-
Elas tem o mesmo comportamento que eu, na idade delas!
-
Falei tudo isso para o senhor perceber que existem duas menininhas
lindas que estão precisando da sua ajuda! E só o senhor pode
ajudá-las... Ah, se o meu pai tivesse percebido isso em mim... Pense
nisso, por favor!
-
Bom, tenho que ir! Hoje vou almoçar na casa de um dos meus filhos...
Todo o domingo revesamos o almoço na casa de um deles!
-
Proprietário: Que bom senhor Orlando, sua família parece ser bem
unida! Quantos filhos os senhor tem?
-
Síndico: Tenho quatro filhos!
-
Proprietário: Nossa... quantos... O senhor deve ter gritado muito
com eles, não é mesmo?
-
Síndico: Na verdade não... Eu sempre conversei com todos juntos na
mesa do jantar!
-
Sempre que um deles aprontava alguma coisa, eu deixava os quatro de
castigo. Que era para um aprender com o outro e serem muito unidos...
Como eu sou filho único, fui conhecer uma família grande depois que
tive meus filhos... Então tentei educá-los assim...
-
Bom, senhor Cláudio, tenho mesmo que ir... Espero que dê tudo certo
ao senhor e à sua família!
-
Proprietário: Obrigado senhor Orlando! Bom domingo ao Senhor!”
Passaram-se
mais de seis meses sem reclamações ou multas.
E
o síndico, que me contou essa história, faleceu no último mês de
fevereiro.
Como
amigo da família, fui no seu velório e conheci pessoalmente o
senhor Cláudio, que estava muito triste com a perda do senhor
Orlando.
O
Cláudio resolveu dar seu testemunho no velório e disse:
“-
O Orlando foi um pai para a minha família! Perdi um grande amigo!”
Nota:
Pretendi ser o máximo fiel à história, preservando a
identidade dos seus personagens.
*
O autor é Gerente de Comunicação na empresa Diário das Leis.
Diretor na JCB Comunicação.
Apresentador do programa Condomínio em Debate.
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